Jornal da Mostra

17 de março de 2004

Nelson Pereira dos Santos: do cineasta do clássico “Vidas secas”, um documentário sobre a fome de viver

Juri da 44ª Mostra
Juri da 44ª Mostra Nelson Pereira dos Santos, 75 anos, o maior dos cineastas do Brasil, 50 anos depois de sua estréia com “Rio 40 Graus”, apresenta com o seu novo filme, “Raízes do Brasil”, um documentário extraordinário dedicado ao historiador Sérgio Buarque de Holanda. De fato são dois os filmes dedicados ao historiador. Juntos, contemplam o espectador com um vasto perfil do monumental personagem documentado. Com deliciosos depoimentos de amigos e familiares na primeira parte e, na segunda, com uma introdução a um bom bocado da história brasileira que se confundia com a intensa fome de viver de Sérgio Buarque de Holanda. O cineasta responsável pelo mais importante filme brasileiro de todos os tempos, “Vidas Secas”, de 1963, concorda que a primeira parte de “Raízes do Brasil” passa uma mensagem muito positiva sobre a importância do núcleo familiar, um resíduo social que não resiste a crise alguma. Uma raiz que não resistia aos ciclos da miséria em “Vidas Secas”, mas que ganha com o admirável senso de responsabilidade de Nelson Pereira dos Santos com “Raízes do Brasil”, uma obra como que em ‘dois tomos’ de cinema e literatura. Segundo um de seus depoentes, o crítico e professor literário Antonio Candido, “Raízes do Brasil” honra a memória do maior pensador social (leia-se historiador) brasileiro do século 20. Na segunda parte do filme, músicas e imagens de arquivo ajudam a recompor um traçado geográfico, político e social de um país muitas vezes traído em suas vocações. Principalmente em sua genuína vocação de receptiva generosidade, principal traço cultural brasileiro que longos anos de caudilhismo, truculências políticas e crises econômicas conseguiram descaracterizar. Estamos falando de um Brasil reverso da moeda de “Vidas Secas”, inspirado nas obras de Graciliano Ramos. Num país analisado por Graciliano Ramos e outros grandes escritores que, por sua vez, ajudaram o próprio historiador Sérgio Buarque de Holanda a decifrar um outro país que escrevia suas histórias no curso de seus teatros sociais urbanos. Ao reconstituir a memória de um pensador, o mestre Nelson Pereira dos Santos brinda o espectador com o que temos de melhor na natureza humana – a sociabilidade. Por esses pequenos e delicados gestos de sensibilidade e comovente dedicação, humildes até, à memória de um grande pensador brasileiro, o gesto cinematográfico de Nelson Pereira dos Santos confirma-o no mesmo panteão dos grandes nomes da racionalidade brasileira, universal até se considerarmos a sinceridade com que o mestre-cineasta se dedica ao particular. Assisti “Raízes do Brasil” em uma sessão exclusiva para professores no Unibanco Arteplex de São Paulo. Muitos professores aproximaram-se do mestre Pereira dos Santos sinceramente comovidos. Assistindo à cena pensava na lição que o cineasta estava dando aos próprios professores com um filme sobre um intelectual infatigável e imbatível nos seus objetivos de perseguir o conhecimento. Mais que isso, uma lição de vida. Fundamentalmente, uma lição de vida, de um mestre para outro. Por isso, um filme obrigatório e imperdível, para mestres e alunos. Este sim é um filme que nos ensina a viver.