Jornal da Mostra

25 de outubro de 2015

No Memórias do Cinema, Contardo Calligaris fala sobre filmes que revelam a natureza humana

Juri da 44ª Mostra
Juri da 44ª Mostra As primeiras memórias cinematográficas do psicanalista, escritor e colunista Contardo Calligaris, o segundo convidado do Memórias do Cinema da 39ª Mostra, estão intimamente ligadas às lembranças do pós-Segunda Guerra e aos filmes que chegaram à Europa no período. Nascido em 1948 em Milão, ele passou a infância na cidade que havia sido duramente bombardeada durante o conflito. O menino Contardo ia aos cinemas reformados com o avô, que quase sempre o levava ao tradicional Cinema Pacini, que existia desde 1937. Contardo ressaltou que Milão era uma cidade com muitos escombros —e continuou sendo assim até a segunda metade dos anos 1950. Até o fim do neorrealismo e o início da comédia italiana, esta foi a infância de quem nasceu no pós-Guerra. “É importante saber disso para entender o tipo de relação que eu tive com o cinema, principalmente o Pacini. Em toda minha infância não existia televisão, computador... O espaço do sonho era só a literatura e o cinema. A TV só chegou na Itália em 1954. Um televisor só entrou na minha casa em 1962.” O primeiro filme O psicanalista disse ser difícil se lembrar exatamente de qual foi o primeiro filme que assistiu, mas afirmou que quase certamente foi estrangeiro. “Não é pouca coisa o primeiro filme que a gente viu, sobretudo se a gente, como eu, não teve nenhum acesso à TV. É um momento absolutamente mágico.” Do cinema italiano que chegava ao Pacini, “só havia aquelas comédias absolutamente indiferentes, bem opostas ao neorrealismo. Qualquer tipo de cinema que pudesse me transmitir a impressão de que os italianos, dos quais eu fazia parte, tinham a capacidade, e a possibilidade, de ter um comportamento digno diante do horror que o fascismo tinha sido, foi perdido”, relatou o colunista do jornal Folha de S. Paulo. “O que chegava ao Cinema Pacini era a típica comédia italiana. Era algo insuportável para mim. O que vejo neles é a transformação em farsa do que considero uma farsa tremenda”, disse. A vida épica do cinema americano Contardo lembrou que só muito mais tarde descobriu os mestres do Neorealismo, que revelou a partir de meados dos anos 1940 diretores como Roberto Rosselini, Luchino Visconti, Vittorio de Sica. Antes, Contardo assistia majoritariamente filmes norte-americanos. “Fui ter uma ideia do cinema que poderia tornar a vida da gente minimamente épica, de se dar uma história que realmente valesse a pena, no western, nos filmes de guerra e até mesmo nos filmes de gangsteres americanos.” Um longa que o marcou profundamente, no início dos anos 50, foi Os Brutos Também Amam (1954), de George Stevens. “Suspeito que este seja o primeiro filme que eu vi e que esteja entre uma das razões principais de eu ter saído de casa tão cedo e me mantido sempre longe”, narra. “Porque o herói, o cara que vai embora, é o que vai ser amado para sempre. Este truque funciona”, brinca. As Duas Faces do Dr. Jekyll Outro longa decisivo para sua formação, já nos anos 1960, foi As Duas Faces do Dr. Jekyll (1960), de Terence Fisher. “Eu tinha 12 anos. Vi algumas imagens desse filme e decidi que era o suprassumo do erotismo. A cena mais erótica era a em que o Dr. Jekyll vai a uma boate. Há um espetáculo e uma mulher dança eroticamente com uma serpente. Era um negócio realmente espetacular”, contou o escritor. Contardo revela que só foi rever o filme para o Memórias do Cinema e que o achou “péssimo”. “Os atores são péssimos, a direção é ruim. Preste atenção que não estou falando de grandes filmes. Geralmente os filmes e livros que mais marcam a gente são os ruins”, observou. “O que me marcou foi que Jekyll diz que ‘somos todos duas pessoas em uma’. Este filme me marcou a ponto de motivar uma grande parte do meu interesse profissional pela psicologia clínica e pela psicanálise. Ainda mais porque o que acontece é que muito rapidamente Jekyll não controla mais os momentos em que se transforma em Hyde.” O Planeta Proibido Um último filme que também foi crucial para a decisão de Contardo de se tornar psicanalista foi O Planeta Proibido (1956), de Fred M. Wilcox. “Este filme resiste. Revi há pouco e continua ótimo. É sobre uma nave espacial que se perde em um planeta. Somente um professor e sua filha sobreviveram. E tem também o robô Robby, que ficou muito famoso e virou até brinquedo”, comenta. “Quando chega o resgate, o capitão da equipe se interessa pela filha do professor. É aí que aparece um monstro, que havia assassinado todos da equipe da nave. Ele nada mais é do que uma materialização do ciúme do pai da moça. Assim que alguém a deseja, o ‘incrível Hulk’ aparece como energia pura. Há uma cena incrível, que me marcou. O monstro vai esquentando a parede de aço de um lugar em que ele se refugia. E o pai grita para o monstro parar, porque o monstro era ele. Isso me impactou demais.”

Flavia Guerra

Abaixo, confira a programação do ciclo Memórias do Cinema: 25/10, domingo – Ney Matogrosso 26/10, segunda-feira - Nelson Xavier 27/10, terça-feira - Sandra Kogut 28/10, quarta-feira - Cao Hamburger 29/10, quinta-feira - Joel Pizzini 30/10, sexta-feira - Paulo Sacramento 31/10, sábado - Lucia Murat 2/11, segunda-feira - Luis Miñarro 3/11, terça-feira - Walter Lima Jr. Os encontros são gratuitos e realizado no Espaço Itaú de Cinema - Augusta; sala 4 - anexo (rua Augusta, 1470)