Jornal da Mostra

09 de fevereiro de 2004

Berlim 2004 - Documentário pega carona na “moto” de Salles

Juri da 44ª Mostra
Juri da 44ª Mostra Continua faltando uma explicação oficial sobre a retirada de "Diários de Motocicleta/ The Motorcycle Diaries", de Walter Salles, da lista dos filmes selecionados pelo 54° Festival de Berlim. O consolo de Berlim foi mostrar o documentário "Viajando com Che Guevara/ Traveling with Che Guevara", um documentário italiano do jornalista Gianni Minà, constrangedor a começar pelo título que desdenha a figura principal do segundo personagem real do filme de Salles e deste documentário - Alberto Granado, o companheiro de viagem de Che, hoje com 81 anos, dinossauro sobrevivente do sonho da globalização comunista. Viajando com Che Guevara Como a mitologia só contempla aos que morrem jovens e belos, todos os louros do documentário parecem dirigidos a Che, mesmo na presença de Granado que viveu as mesmas aventuras e o mesmo heroísmo de ‘subir’ a América do Sul, de moto, a pé e de balsa de Córdoba, na Argentina, passando pelo Chile, Peru, Colômbia e Venezuela, em 1952 quando Che era um estudante de medicina com 23 anos e Granado um biólogo de 29. Foi uma viagem iniciática, de conhecimento de um continente, de seus povos, suas culturas e suas explorações e misérias, que o esperto ator e produtor americano Robert Redford resgatou para o cinema 50 anos depois, confiando ao brasileiro Salles a direção do filme. Quem viu o filme de Salles em janeiro de 2004 no Festival de Sundance, diz que é o seu melhor trabalho. Quem não viu terá que esperar até maio, o próximo Cannes, o festival que assim traduziu a sua preferência, no jargão da economia marxista, a mais-valia de “Diários de Motocicleta/ The Motorcycle Diaries”. O documentário italiano parece ser um prêmio de consolação para o seu diretor Gianni Mina, 65 anos, considerando que era ele quem detinha os direitos de levar os “Diários” ao cinema e sonhava rodar o filme há 15 anos, como revelou em Berlim na apresentação de seu trabalho. Apesar de todas as emoções antecipadas pelo documentário, melhor seria não tê-lo visto antes do longa de Walter Salles. Se ele serve para sugar de carona algumas das emoções que o filme deveria reter exclusivos, registra também o quanto caprichoso e rico é o resultado ficcional da produção de “Diários de Motocicleta/ The Motorcycle Diaries”. Rico e despojado, com se já vê em marca registrada o cinema de Salles. Deméritos à parte, não se pode negar que “Diários de Motocicleta/ The Motorcycle Diaries” serve muito para resgatar a importante e carinhosa figura de Alberto Granado, apesar da sombra do mito de Che Guevara. É emocionante ver Granado inclusive como consultor do filme principal, de Walter Salles, refazendo toda uma trajetória que fez muito história. O melhor e o pior que o filme de Gianni Minà mostra: de melhor, que os ideais e os sonhos de liberdade e solidariedade não morrem assim fácil; de pior, que 50 anos depois, as misérias latino-americanas que fizeram a cabeça de Granado e Guevara parecem só ter piorado.