Sobre o filme
A Mostra Internacional de Cinema convidou vários cineastas internacionais presentes em São Paulo em sua última edição, em 2003, para iniciar o projeto de um longa-metragem com visões sobre a cidade, relevando a importância do olhar estrangeiro com foco nas peculiaridades da nossa metrópole, a terceira maior cidade do mundo. O resultado é Bem-Vindo a São Paulo/ Welcome to São Paulo, que tem estréia mundial na 28ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (22 de outubro a 4 de novembro de 2004). Todo o longa é prestigiado pela narração na voz de Caetano Veloso, que também assina um dos segmentos do projeto. São Paulo é a maior cidade do hemisfério sul, com uma dinâmica incessante de misturas culturais, com imigrantes de todo o mundo e migrantes de todas as partes do Brasil.
A reunião destas peculiaridades é vista através da sensibilidades dos seguintes cineastas e seus segmentos presentes no longa Bem-Vindo a São Paulo, na ordem de apresentação que segue:
MARCO ZERO/ GROUND ZERO, de Phillip Noyce (AUSTRÁLIA) – Com
vários depoimentos sobre as peculiaridades de São Paulo, a metrópole que dissimula diferenças sociais, culturais e étnicas, todos em torno do marco zero da cidade, no entorno da Catedral da Sé. A câmera nervosa de Phillip Noyce registra um turismo curioso, com um grupo de estudantes em excursão pelo centro histórico de São Paulo, e um pastor bíblico dos novos tempos, pregando fora da catedral católica convencional e com uma dramática próxima à estética de Terra em Transe, de Glauber Rocha.
NATUREZA-MORTA/ STILL LIFE, de Renata de Almeida e Leon Cakoff (BRASIL). O registro de uma exposição fotográfica, com várias gerações de espectadores, reflete sobre a importância da memória e aponta o espanto diante da irreversibilidade dos tempos.
MANHÃ DE DOMINGO/ SUNDAY MORNING, de Mika Kaurismäki (FINLÂNDIA). Registros sobre o tempo remoto e vago da metrópole conhecida por suas agitações, com o seu despertar vagaroso em uma manhã de domingo. Um contraponto sensível sobre a ocupação de espaços normalmente invisíveis nos dias caóticos da semana.
NOVO MUNDO/ NEW WORLD, de Jim McBride (EUA). Ao mesmo tempo em que o olhar do cineasta percorre bairros de passado glorioso e paisagens deterioradas de São Paulo, observa-se a comovente resistência no colorido e na vida cotidiana de seus habitantes. A crônica reforça que “a paisagem que resiste guarda as lembranças de um passado acolhedor; A cultura que resiste é aquela que não queremos ver.”
ENSAIO GERAL/ A REHEARSAL FOR ALL, de Hanna Elias (PALESTINA).
O registro generoso de todo um processo de ensaio geral de uma tradicional Escola de Samba de São Paulo, a Vai-Vai, com as várias gerações envolvidas, em plena rua do Bixiga, um tradicional bairro conhecido por sua ligação com as várias gerações da imigração italiana.
ALGUMA COISA ACONTECE/ SOMETHING PULLS, de Maria de Medeiros (PORTUGAL – FRANÇA). A emblemática esquina entre as avenidas Ipiranga e São João, eternizadas na canção Sampa, de Caetano Veloso, é visitada com emoção pela câmera de Maria de Medeiros, como cineasta e como grande atriz. Como atriz, ouvimos na sua voz sussurrada a letra de Sampa que começa dizendo “Alguma coisa acontece em meu coração, e só quando cruza a Ipiranga e Avenida São João...”
A GARÇONETE/ THE WAITRESS, de Kiju Yoshida (JAPÃO). Uma visita ao bairro da Liberdade, onde se concentra a maior colônia japonesa do mundo, revela os sofrimentos e as resistências enfrentadas pelas três gerações de imigrantes do Japão, até a sua integração na cultura brasileira. A imigração japonesa começou no início do século 20 e veio para substituir a mão-de-obra escrava dos negros nas plantações de café. Estas revelações são ouvidas através de uma entrevista com Takeko Oyama, uma veterana garçonete de um restaurante de cultura japonesa, conduzida pela atriz Mariko Okada, mulher de Yoshida e primeira dama do cinema japonês.
CONCRETO/ CONCRETE, de Caetano Veloso – BRASIL. Um poeta, do alto de um edifício, nomeia e aponta as construções que vê com os nomes de árvores em tupi: Jacarandá, caiuá, paraparaí; Urucum. Ibirapitanga, orabutã, ibirapiranga, ibirapitã (pau-brasil)... Um forte e contrastante efeito plástico impregna os edifícios com cores, sombras e luzes crepusculares emocionantes. Originalmente, todo o território do estado de São Paulo era coberto de mata atlântica. As florestas em concreto, rebatizadas com os solenes nomes de árvores em tupi, ecoam como que um novo poema concreto, como uma nova ‘canção’ de Caetano Veloso.
AQUÁRIO/ AQUARIUM, de Tsai Ming-Liang (TAIWAN). São Paulo tem a maior concentração mundial de edifícios. Lugares onde muitas vezes a solidão se esconde e só é vista quando há sufoco. Quando falta ar. Que faz janela onde menos se espera. Veremos ambulantes na cidade com suas mercadorias, em dia chuvoso: guarda-chuvas, vassouras, espanadores e... peixes ornamentais, isolados um a um, em sacos plásticos pendurados num varal. Estas imagens acabam servindo como introdução a um grande ‘aquário’ visitado pelo cineasta, que posta sua câmera em frente a um edifício decadente, e visita seus apartamentos, revelando o intenso drama de seus habitantes.
ESPERANÇA/ HOPE, de Ash (EUA). Um percurso noturno da cidade, com seus desertos e agitação. O cineasta conversa primeiro com uma personagem noturna, um travesti, falando do seu passado, de seus sonhos e seus planos para encontrar um príncipe encantado e mudar para uma vida melhor. Na seqüência de sua busca de personagens com esperança, conversa com uma jovem de classe média em um bar elegante da cidade, que sonha ser ‘top model’ e conquistar as passarelas do mundo.
FARTURA/ PLENTIFUL, de Mercedes Moncada (MÉXICO) e Franco de Peña (VENEZUELA). Por mais intermediários que uma refeição tenha antes de chegar ao prato, o alimento como mercadoria tem a dimensão da metrópole em que circula. Os dois cineastas latino-americanos saíram em busca de personagens responsáveis pelo colorido, a cenografia e todo o encanto das feiras de rua.
FORMAS/ SHAPES, de Andrea Vecchiato (ITÁLIA). Podemos dizer que não se deve creditar ao passado de uma cidade o que dela se espera no presente ou no futuro. Que as marcas de uma cidade são gravadas pelo povo que as têm. Esta é a cidade que nos desvenda o olhar do cineasta, buscando seus símbolos que nos acenam com a ficção de futuros bem mais próximos e bem melhores.
SIGNOS/ SIGNS, de Max Lemcke (ESPANHA). Os símbolos de comunicação da cidade em uma colagem vertiginosa. As maneiras de expressão de uma cidade, o excesso de informações visuais e a sedução pretendida por cada uma delas. Entre todos os signos, modernos e tradicionais, o olhar atento deve selecionar aqueles realmente vitais no trânsito cotidiano.
MODERNIDADE/ MODERNITY, de Amos Gitai (ISRAEL). Um novo grande hotel da cidade abordado dentro dos conceitos de uma arquitetura futurista. O aeroporto metropolitano comparado a supermercados. Os recursos de uma câmera digital vistos como fetiches modernos. A solidão nos corredores do grande hotel e seu contraponto visto da janela, que ilustra uma cidade autofágica, em constante processo de reconstrução.
ESPERANDO ABBAS/ WAITING FOR ABBAS, de LEON CAKOFF (BRASIL). O encontro e o diálogo com um personagem observado em São Paulo pelo cineasta Abbas Kiarostami e objeto de um roteiro sobre crianças abandonadas na Avenida Paulista, onde também se concentra a maior riqueza do país. O ex-menino de rua, hoje um homem de rua, nervoso e preocupado em defender a sua integridade, manda um recado singelo e comovente para o cineasta de Gosto de Cereja.
ODISSÉIA/ ODYSSEY, de Daniela Thomas (BRASIL). A situação inusitada de um elevado que aos domingos é ocupado como área de lazer. O elevado é percorrido igualmente nos dias em que o tráfico urbano é soberano em seus domínios. Igualmente ‘personagem’ de seu longa Terra Estrangeira, co-dirigido com Walter Salles, o elevado adquire aqui uma dimensão homérica, além de oferecer surpresas plásticas de grande impacto.
BEM-VINDO A SÃO PAULO/ WELCOME TO SÃO PAULO, de Wolfgang Becker (ALEMANHA). Uma descida vertiginosa sobre São Paulo, desde o ponto de vista macro de satélite, até se aproximar dos edifícios e ruas. Começa então uma viagem arterial em busca das identidades da cidade. A busca termina em uma loja de discos em vinil e no micro-detalhe de uma agulha que pousa sobre um disco. O disco toca Sampa, na gravação original de Caetano Veloso.
Título original: Bem Vindo a São Paulo
Ano: 2004
Duração: 100 minutos
País: Brasil
Cor: Colorido
Direção: VÁRIOS
Roteiro: Leon Cakoff
Fotografia: Aloysio Raulino, Andrea Vecchiato, Ash, Franco de Peña, Hanna Elias, Jim McBride, Max Lemcke, Mercedes Moncada, Mika Kaurismäki, Phillip Noyce, Samuel Kobayashi, Tsai Ming Liang, Vanderlei Gussonato, Vitor Amati, Wolfgang Becker
Produtor: Renata de Almeida, Leon Cakoff
Música: André Abujamra